Como ajudar um amigo ou familiar enlutado

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21/03/2022

Duas das grandes questões humanas são a morte e a finitude. A outra é a percepção de que não podemos controlar muitas coisas. E nesses momentos ambas se entrelaçam.

 

Perder um ente querido é uma das maiores dores do ser humano. Quando esbarramos na morte de alguém que amamos, muitos sentimentos podem estar vinculados a essa perda: tristeza, impotência, raiva, culpa, ou simplesmente um inconformismo, que faz parte de um processo natural de luto.

 

A ciência da Psicologia nos ensina o quanto à perda de algo ou de alguém, pode se fazer presente e muitas vezes, por mais tempo do que gostaríamos. Da mesma maneira que investimos todos os nossos afetos na relação com aquele que se foi, precisaremos de um tempo que é muito peculiar, para processarmos esse sentimento de vazio.


As etapas do luto 

 

Negação e isolamento: “Isso não aconteceu, ele vai aparecer a qualquer momento”.

Raiva: “essa injustiça não podia ter acontecido comigo e com ele”.

Barganha: “Se eu for boazinha com a humanidade, à vida reverterá esse acontecimento”. 

 

Perceba a interface que existe entre as etapas. Depressão: isolamento, sono e apetite alterados, irritabilidade. Ideia de menos valia são os principais. E a aceitação: “eu perdi alguém importante para mim”.

 

Gosto da metáfora da digestão para falar de luto. O luto é um processo que depende de uma incorporação neuroquímica e emocional. Por isso, é fácil imaginar esse organismo como um todo, tratando nesse momento de elaborar esse novo evento, quase como um aparelho digestivo trata, naturalmente de digerir um novo, e, sobretudo, pesado alimento. O tema sempre esteve na alma e nas palavras de poetas e filósofos.

 

 “Ah, deixe-me sossegar,
Não me sonhem nem me outrem,
Se não quero me encontrar,
Quererei que outros me encontrem?” 

Fernando Pessoa

Perder alguém (a exemplo das crianças) é perder para a vida. Adultos possuem um psiquismo melhor aparelhado para lidar com isso. A vida sem aquele que se foi pode representar desde um acontecimento triste e imutável à constatação de que muitas vezes a vida pode ter deixado de fazer sentido. 

 

Como lidar com alguém que passa por esse momento? 

Alguns sinais são bastante comuns, junto à maioria dos enlutados. Daí, a sensibilidade que podemos ter em relação ao momento do luto vivido e aos sintomas abaixo:


Alteração do sono e do apetite: Quem não dorme ou dorme demais, não descansa e por isso convive com uma sensação constante de esgotamento e de angústia. Seja empático, não promova uma agenda para essa pessoa, evite dizer algo que exija uma ação. No momento ela já se encontra suficientemente ocupada em fazer um luto. Ao contrário, valide essa queixa pautada na dor e muitas vezes no inconformismo. Sofrer cansa. Apenas esteja presente.

 

Dificuldade de concentração: Comumente, a memória anterógrada (o que jantei ontem) de quem passa por um processo de luto sofre algum comprometimento. Compreenda esses lapsos de memória, tendo em vista essa tristeza e essa exaustão.


Labilidade afetiva: Choro, raiva e incompreensão sobre esse acontecimento regem o dia a dia de quem perdeu alguém para a morte. Deixe-o expressar a sua dor, não diga “isso vai passar”. Permita que ele demonstre a saudade da maneira que puder.

 

Ideias pessimistas em relação ao futuro: Entender que a dinâmica dessa pessoa sofrerá transformações é a melhor forma de escutar a falta de sentido momentânea, que permeia a vida dela. 

 

Por isto, acolha, diga que estará por perto pelo tempo que for necessário. Existe um sofrimento em andamento e esse tempo é muito particular, porque depende da qualidade dos recursos internos de cada um. Recursos internos são acessórios que vem de fábrica e que também são construídos por nós ao longo da nossa existência. Perder, o que quer que seja, para muitos não deveria fazer parte da caminhada. Mas faz. Então simplesmente estar lado a lado ao enlutado pode fazer desse trajeto um percurso menos doloroso e mais sereno.

 

Cynthia Bezerra │Psicanalista clínica │Psicóloga hospitalar.